quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Recorde de velocidade e resistência


Na pista, Usain Bolt festejava o título dos 200 m com o novo recorde mundial: 19s31, corrigidos para 19s30 no cronômetro digital do estádio instantes depois. Fora dela eu colhia esse flagrante aí de cima (é, até que não sou tão mal fotógrafo). Alucinado com o feito do jamaicano, mandei um FODEU bem grande para todo mundo que falava comigo no MSN naquele momento. Acho que eram umas três pessoas e aproveito para me desculpar se tivesse uma mulher entre elas, o que já não me lembro.

Minha jornada ontem começou às 6h30, depois de dormir pouco mais de duas horas. Acordei para seguir para a cobertura da maratona aquática. O local da prova era o mesmo onde acontecem as competições de canoagem e remo. Havia passado por lá e sabia que o local era absurdamente longe. Foram uns 20 minutos no busão da Media Village que leva até o MPC (centro de imprensa dos Jogos). De lá, mais cerca de 1h10min para a arena de canoagem e remo.

No busão encontrei outros companheiros de infortúnio: Bruno Doro (UOL), Casinha (Terra) e Plínio (Lance!). Dormimos quase a viagem inteira, o que fez o Bruno comentar, com razão, que a impressão era que a viagem tinha durado só cinco minutos.

As brasileiras até que deram alguma emoção à prova, disputando o terceiro lugar nos últimos metros dos 10 km da maratona aquática. Mas, no final, como tem acontecido em outras competições, ficaram para trás. Ana Marcela Cunha, líder do ranking mundial, foi a quinta colocada. Poliana Okimoto, vice-campeça mundial dos 5 km e 10 km há dois anos, terminou em sétimo.

Mandei rapidamente os textos para a Folha. Por conta daquelas maravilhas do fuso horário, a prova terminava em cima da lata de nossa edição São Paulo. Dali, corremos para o busão de volta para o MPC (se perdêssemos aquele, teríamos que esperar mais uma hora pelo próximo). Cheguei, almocei e fui tirar um cochilo em um dos sofás do centro de imprensa. Esses locais são disputadíssimos. Ainda farei outro texto a esse respeito.

À tarde, segui para o Ninho de Pássaro. Haveria coletiva da Iaaf (Associação Internacional das Federações de Atletismo). A presença de astros das pistas, como Michael Johnson (então recordista dos 200 m), Mike Powell (recordista do salto em distância) e Wilson Kipketer (recordista dos 800 m) renderia, com certeza, boas aspas.

Johnson fez vasta análise sobre sua prova e declarou que Usain Bolt teria todas as condições de quebrar o seu recorde. "É precipitado dizer que ele irá cair hoje. Mas acho que poderei dizer adeus a ele [o recorde] em breve", brincou.

De lá segui para as tribunas, onde começariam as competições. Na pauta, relato dos brasileiros nos 800 m (Fabiano Peçanha e Kleberson Davide) e salto com vara (Fábio Gomes da Silva), apresentação das finais do salto triplo (Jadel Gregório) e das eliminatórias do 4 x 100 m (com o Brasil na pista no masculino e feminino). De internacional, a final dos 200 m, com a provável vitória de Bolt, e apresentação dos 110 m com barreiras, a prova em que o povo chinês ficou órfão, com a lesão e desistência de Liu Xiang, seu maior ídolo nas pistas.

É, o dia ainda seria carregado. Mas não fazia a menor idéia de quanto. A expectativa pelo novo recorde nos 200 m era tão pequena que a disputa final nem fecharia a jornada no Ninho de Pássaro. Os 400 m com barreiras feminino seria a prova de encerramento. Prova, aliás, totalmente esvaziada diante do feito de Bolt, 19s30 após o tiro de partida.

Na zona mista a confusão era imensa. Repórteres de todos os cantos do planeta se acotovelavam para pegar uma declaraçãozinnha que fosse de algum coadjutantes da final, como Kim Collins, Churandy Martina, Christian Malcolm ou Brian Dzingai, com quase o mesmo ímpeto de esfomeados de Darfur atrás de ajuda humanitária.

Quem passasse por lá, com qualquer indício que fosse jamaicano, seja jornalista, parente de atleta ou médico da delegação, virava celebridade instantânea e era logo cercado. Muitos coleguinhas não sabiam nem quem eram os entrevistados e se aboletavam com o gravador digital à mão para colher aspas. Depois perguntavam.

Bolt chegou à coletiva por volta de 0h30. O resultado da prova já havia sido alterado duas vezes, com a desclassificação do norte-americano Wallace Spearmon e do antilhano Martina. A entrevista, felizmente, não demorou para acabar. Bolt brincou e deu boas aspas, para a alegria dos coleguinhas. Revelou, por exemplo, um desejo adolescente: depois da façanha sua maior vontade era comer vários nuggets.

De lá, rumar para o centro de imprensa para vender o que tinha para a chefia. Não me lembro ao certo agora quantas retrancas mandei. Foram várias. Felizmente tinha me preparado para a catástrofe, embora, no íntimo não acreditasse que ela pudesse acontecer. O recorde dos 200 m (19s32), na minha modesta avaliação, era muito forte. E ninguém, afora Michael Johnson, havia corrido a distância em menos de 19s62. O melhor tempo de Bolt, até então, era 19s67.

Comecei a bater as retrancas ensandecidamente. Na bancada ainda estavam por aqui Bruno Doro e Casinha, companheiros da jornada matutina. O Seixas ainda discutia com São Paulo tamanhos para quinta e pauta para sexta. Na bancada do lado de lá estavam Ivan Drummond (Estado de Minas), Jorge (O Globo) e Luizinho (Correio Braziliense). Afora a imprensa brazuca, só restava um jornalista jamaicano, trajado com a jaqueta do país.

Tomei um Red Bull, que infelizmente na China não tem o mesmo efeito do que o brasileiro. Estava com muito sono, mas pouco a pouco a sensação de cansaço diminuiu. Já não havia ninguém na minha bancada. Na de lá, restavam o Jorge e o Luizinho. Ainda faltava minhas duas últimas retrancas, um box histórico e um ping, e pouco depois não vi mais nenhum dos coleguinhas brazucas.

Mandei a última retranca por volta das 6h10 daqui. O incrível era que eram 19h10 do Brasil e nosso fechamento normalmente é às 19h30. Ou seja, com um fuso 11 horas favorável, quase atrasei São Paulo! Olhei para os lados e o único sobrevivente da longa jornada madrugada adentro era o jamaicano. Acho que para esse cara, o feito de Bolt realmente era bem mais importante do que para a imprensa nacional.

Desarmei o acampamento e peguei minhas duas mochilas. Normalmente carrego duas aqui, uma com laptop e outra com demais tralhas (jaqueta, ipod, gravador e máquina fotográfica digital, canetas, bloquinho, medias guides). Tem sido a solução distribuir para o peso, já que tenho dores lombares de vez em quando.

Lá fora, uma fina garoa caía. Estava sem guarda-chuva, mas apertei a tecla F. O que mais poderia acontecer? O busão da 6h30 ainda demorou um pouco para chegar. Subi nele e desabei. Na chegada à Media Village, a chuva havia aumentado de intensidade.

Cheguei ao prédio C1, apartamento 1208, quarto B, completamente ensopado. Fedia o suor de um dia inteiro de trabalho. Me sentia como se tivesse paticipado de uma corrida de aventura. Fui para o chuveiro. Foi um dos melhores banhos da minha vida.

Meu recorde anterior de trabalho havia sido de 21 horas, ocorrido em uma sexta-feira em que fui fazer uma pauta às 9h e fiquei no pescoção até as 6h de sábado. Na manhã de hoje completei 24 horas seguidas. Acho uma marca forte. Assim como a de Michael Johnson nos 200 m, tão cedo não será batida. Me sentia tão recordista quanto Usain Bolt. Agora quero devorar os meus nuggets.

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