Morreu na segunda-feira, dia 21, o jornalista Paulo de Carvalho Patarra, 74. Conheci o Patarra em 1994, quando estava no terceiro ano do curso de jornalismo da PUC. Certa noite ele foi fazer uma palestra aos alunos do Serginho Pinto de Almeida. Falou sobre a revista Realidade, sua principal criação e orgulho.
Na hora tive a idéia de utilizar a revista como objeto de trabalho de História Contemporânea que teria que tocar na USP, onde cursava o segundo ano. Falei com o Patarra e marcamos uma entrevista sobre a revista.
Esse trabalho de graduação virou uma pesquisa de iniciação científica e, alguns anos depois, minha dissertação de mestrado.
Patarra era o representante tradicional do jornalismo boêmio. Bebia todos os dias. Fumou por 60 anos. Quando conversamos, já mostrava alguns sinais do câncer de garganta que acabaria derrubando-o. Tossia em alguns momentos.
Foi ele quem dirigiu ai melhor revista de reportagem da história de nossa imprensa. Realidade mapeava, mês a mês, os principais temas do momento em grandes reportagens. Grandes mesmo. chegavam a ter dez páginas, com textos imensos para os padrões atuais.
Patarra me deu uma cópia do projeto da revista. Guardo até hoje comigo. Nele já dizia, em linhas gerais, o que seria a publicação. Até algumas pautas que seriam feitas na revista, surgida em abril de 1966, já eram citadas no projeto.
Diretor da publicação até o final de sua melhor fase (dezembro de 1968), Patarra pouco escrevia na revista. Era o artífice de uma equipe de excelentes repórteres como José Carlos Marão, José Hamilton Ribeiro, Carlos Azevedo, Luiz Fernando Mercadante, Eurico Andrade e Roberto Freire, entre outros. Tive o prazer de conhecer todos eles. Era uma turma especial, que mantinha amizade próxima após tantos anos em redações variadas.
Patarra, porém, foi o autor de uma das capas mais impactantes da história da revista, justamente a última sob sua responsabilidade. Nela, narrava aventura quase épica para entrevistar Luís Carlos Prestes. O líder comunista vivia no Brasil, durante a ditadura militar, na mais absoluta clandestinidade. Considero o título da capa ("Este rosto não existe mais", sobre um desenho de Prestes) um dos melhores da época da ditadura.
Servia para dizer que vivíamos sob um regime que ignorava certos personagens que seriam importantes na esfera política, se o país gozasse de liberdade de pensamento. E também ajudava a segurança do Velho, sugerindo que ele teria passado por cirurgia plástica na União Soviética que alterou-lhe as feições, sendo difícil seu reconhecimento.
Após a aventura de Realidade, Patarra dirigiu a revista Quatro Rodas, passou pela TV Globo e chegou até a ser ghost-writer de best-sellers. Não, ele nunca me confidenciou quais livros seria autor.
No final do ano passado, o Carlos Azevedo me ligou para convidar para lançamento de livro com algumas das principais reportagens de sua carreira. Infelizmente deveres na redação não me permitiram ir ao evento.
Azevedo me contou que Patarra padecia de câncer de garganta. Havia retirado as cordas vocais. Também disse que o Mylton Severiano da Silva, o Myltainho, outro companheiro da época de Realidade, o ajudava a redigir seu livro de memórias. Patarra sempre prometeu que escreveria suas histórias, mas adiava constantemente a empreitada.
Fiquei triste por sua situação. Mas senti que enfim ele nos deixaria sua experiência tão rica na imprensa. Ao saber de sua morte, ontem, por um amigo, fiquei mais chateado ainda por provavelmente esse projeto não ter sido concluído.
Hoje, soube por outro coleguinha, que Patarra conseguiu narrar sua história aos companheiros Sérgio Gomes, Sérgio de Souza e Lana, Ana Moulatlet, Ivo Patarra, Sérgio Kalili e Cláudio Júlio Tognolli. O grupo esteve com ele no Hospital do Servidor Público no último dia 24. Filmaram mais de duas horas de entrevista. Quem diria, Patarra, um ateu, conseguiu sua redenção na véspera do Natal.
"Era desejo dele contar sua vida no jornalismo, aos detalhes. Hoje ele se foi", escreveu o Tognolli. Já nos deixaram outros grandes nomes daquela turma: Narciso Kalili, Eurico Andrade, João Antônio, Luigi Manprim... Felizmente a história desse grupo tem sido resgatada.