Foi minha primeira experiência de voar de Varig desde que a companhia quase faliu e acabou abocanhada pela Gol. Bate e volta para Brasília, a trabalho.
Em tempos de apagão aéreo, o prazer de voar tem sido superado pelos receios que acompanham o caos do setor. Há tantas perguntas envolvidas em um vôo que mais parece lead jornalístico: Será que o avião vai sair no horário? Será que vai voar? Será que terá autorização de pouso? Será que vai pousar?
Pego a revista de bordo para esquecer um pouco todo o temor que me acompanha. Nela se anuncia uma nova era na Varig. Editoriais tecem loas à nova companhia. Em um deles, destaca-se a nova pintura dos aviões, o novo logotipo, a elegância do uniforme das aeromoças e o "menu de qualidade, sem excessos". E eu que havia comido pouco no café da manhã! Será que ficarei com fome até chegar à capital?
Mais à frente, um colunista destaca o "sonho do vôo honesto". Bom, quem lá quer saber de desonestidade, em qualquer setor da vida que seja?
Mais uma vez é recheada de elogios, desta vez mais velados, à nova companhia, que "deve sempre se preocupar em oferecer aparelhos modernos a seus passageiros, com seus motores avaros em consumo de combustível". Como assim, "avaros em consumo de combustível"? Os caras estão economizando nisso? E se faltar diesel no meio da viagem? Vamos arremeter?
Uma reportagem destaca o evento preparado para anunciar os novos tempos: "Foi uma festa e, possivelmente, histórica." Possivelmente? Se até a revista de bordo tem dúvidas da importância da data, é provável que eu terei certeza de que ela não ficará nos anais (sem trocadilho!).
Lembrei-me de certa marca de cerveja, que patrocinou o Liverpool, cujo slogan muito popular na Inglaterra era algo assim: "Probably, the best beer in the world". Oras bolas, até a própria empresa não se comprometia sobre a qualidade de seu produto.
Na chegada, o comandante parece aliviado pelo sucesso de mais um pouso honesto (só para usar a terminologia deles). "Tenham todos uma boa estadia em Brasília, um bom dia. E juízo." Minha mãe não daria conselho mais sensato.
Como diriam aqueles bugueiros de Natal, a volta foi "com emoção". O avião até que saiu mais cedo _dez minutos!_, mas a chegada não seria antecipada. Durante o trajeto, o comandante deu o recado de que sobrevoávamos Barretos e ainda não tinha autorização de pouso em Congonhas.
Minutos depois, mais um recado. Desta vez mais incisivo. Iríamos dar um rolê por Rio Preto e Araraquara, porque Congonhas continuava atribulado. Pensei comigo que até que não seria má idéia parar em Rio Preto. É a cidade paulista que conheço com mais mulher bonita por metro quadrado. Ri da situação.
Mas o comandante prosseguiu dizendo que a solução poderia ser o desembarque em "Cumbica ou Viracopos". Desta vez não achei graça nenhuma. Chegada em Campinas implicaria ao menos mais umas duas horas até meu lar doce lar.
Pouco depois veio o aviso: Congonhas havia fechado. Já estávamos atrasados. O avião pousaria em Cumbica. De lá, fizemos translado de ônibus até Congonhas. Passava da meia-noite. Mais um táxi e, sem mais contratempos, pude ir para a minha honesta cama. Felizmente ela não é avara.
Música para o meu pai
Há um mês
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