sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Sobre honestidade

Li no Mais! há alguns anos, um artigo acho que do econo9mista Eduardo Gianetti, que comparava o grau de desenvolvimento de um país à honestidade de sua população. Segundo ele, quanto mais subdesenvolvido fosse um lugar, mais desonesto seria seu povo.

A definição se encaixa como uma luva aqui no Camboja. Desde que peguei o táxi no aeroporto de Siem Reap, a impressão que me dá é que todo mundo está pronto para te passar a perna, mesmo que normalmente seja para levar vantagem em migalhas. Vamos aos exemplos.

O cara do hotel me cobra US$ 8 de diária. Ok, é pouco. Mas o hotel, como disse no post aí embaixo, não oferece nenhum luxo. Hoje pela manhã, descobri que o último hóspede que ficou no mesmo quarto que eu, um alemão, pagou US$ 7. Sim, US$ 1 a menos é muito pouco. Migalha.

Pela manhã, queriam me cobrar o café no hotel. Argumentei que ja havia tratado que minha diária incluía o café. Voltaram atras.

Após o café da manhã, contratei um mototaxi para me levar ao Killing Field of Choeung e para o Tuol Sleng Museum. São os dois museus que revelam as atrocidades cometidas pelo Khmer Vermelho. O primeiro foi um campo de extermínio onde morreram ao menos 17.000 pessoas. O segundo era uma escola que foi transformada às pressas em prisão e centro de tortura sob o regime cruel de Pol Pot. Depois dos templos milenares de Siem Reap, queria adentrar a uma história mais contemporânea.

Mas voltando ao assunto que quero tratar aqui, o cara da moto me pediu US$ 15 pelos dois passeios. Aceitou por US$ 10 mesmo. Depois descobri que as motos normalmente fazem o trajeto por US$ 5. E há um tour promovido por uma ONG que cobra US$ 7 para levar não só a esses dois lugares, mas também ao Museu Nacional e ao antigo Palacio Real. Sim, US$ 10 é absurdamente barato, pros padrões brasileiros, para contratar um mototáxi que ficou comigo das 9h30 as 14h40. Mas o sentimento de ser enganado e inevitável.

Na bilheteria do Killing Field of Choeung, o campo de extermínio do Khmer Vermelho, me avisaram que o ingresso era US$ 2. Resolvi pagar em riels, a moeda local (havia feito um câmbio alto e desnecassario, ja que todo mundo aceita dolar). Sabia que o valor era de 8.000 riels (um dolar vale 4.000 riels). Mas para mim houve um ágio, e o valor subiu para 4.200 riels. Nova migalha perdida.

No museu seguinte, fiz o mesmo, paguei em riels. E dessa vez, surpreendentemente , veio o troco certo. Elogiei a honestidade da bilheteira, algo que passei a fazer por aqui sempre que, por exceão, não era sacaneado.

Pequenas desonestidades ja haviam ocorrido em Siem Reap, quando a vendedora de bebidas me cobrou um chá gelado de US$ 1,5 por 8.000 riels (agio de 500 riels, outra migalha). Ou a tuk-tuk (moto que puxa uma especie de charrete, comum por aqui) contratada para três dias por US$ 45. Soube depois, que poderia ter ficado por menos de US$ 30, se tivesse resolvido barganhar.

Por tudo o que escrevi acima, posso parecer estar arrependido de ter incluído o Camboja em minhas férias após estadias fabulosas no Vietnã. Não, sinceramente não. Acho que os três dias perambulando pelos templos de Angkor valeram muito a pena.

Também foi fabuloso ter mergulhado na história contemporânea ao ver de perto a herança de uma das ditaduras mais estúpidas da história humana. É incrível pensar que o mesmo povo que produziu os templos fabulosos de Angkor pode ter gerado um ditador tão sanguinário como Pol Pot. Em pouco mais de três anos no poder, o regime do Khmer Vermelho matou cerca de 1,7 milhão de pessoas.

Phnom Phem, de importante entreposto do sudeste asiático, tornou-se quase uma cidade fantasma, quando o ditador obrigou 3 milhões de pessoas a seguirem para o campo, para o plantio de arroz. A população capital do pais caiu para 40 mil pessoas, a maioria ligada à burocracia pública.

No Killing Field of Choeung há um impressionante memorial às vítimas da ditadura. Nele, uma estante expõe milhares de crânios coletados durante escavações no campo de extermínio. Diante de tanta gente assassinada, é impossível para o país identificar esses corpos.

No Tuol Sleng Museum o que mais impressiona é a história do lugar. Originalmente uma escola, foi transformado na Prisão de Seguranca 21, a temida S-21, sob a ditadura Pol Pot. Lá, chegou-se a matar uma média de cem pessoas por dia. Em uma das alas, há três andares, cada um equipado com salas de tortura (um total de 20 delas!).

Nas outras alas do antigo complexo escolar, há salas e salas transformadas em microcelas, onde o banheiro era uma caixa de excrementos e os presos ficavam amarrados pelo pé a uma grade de ferro para não se moverem, já que as celas eram precárias. Lá também há outra coleção de crânios em exibição (parece que a ditadura tinha predileção por cortar a cabeça de suas vítimas).

Sai desses dois locais tão deprimido com a miséria humana que decidi comprar naquela hora mesmo minha passagem para a Tailândia, último país de meu tour asiático.

Para encerrar esse parêntesis, as casas de massagem (sérias) são outro item que fez o Camboja valer a pena. Por US$ 7 fiz a melhor massagem de uma hora com óleo da minha vida. Por US$ 6, no dia seguinte, consegui recuperar panturrilhas e coxas após dois dias subindo degraus íngremes e irregulares do complexo de Angkor.

Do Camboja conheci tudo o que queria. Aqui, após tudo o que ocorreu e comparado ao que foi o Vietnã, tenho um sentimento de que não quero voltar. Espero que o pais, daqui a alguns anos, me faça mudar de ideia.

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